Sobre a brevidade da vida: Como o estoicismo está me ajudando a lidar com a depressão.

Há alguns meses, iniciei a leitura de obras de filosofia estoica, como Meditações de Marco Aurélio e Sobre a Brevidade da Vida de Sêneca. Fiquei impressionada com o modo como os ensinamentos dessas obras têm me ajudado a adotar uma perspectiva mais positiva sobre a vida.

Tudo começou quando iniciei a explorar livros de desenvolvimento pessoal como uma maneira de desenvolver hábitos duradouros, cultivar valores mais sólidos, usar ferramentas para definir metas e amenizar os sintomas da depressão. Nesse caminho, sinto-me incrivelmente afortunada por ter descoberto o Estoicismo e suas atemporais lições. É incrível como a curiosidade inocente pode nos guiar por caminhos repletos de magia e maravilhas. À medida que continuei a explorar o Estoicismo, percebi cada vez mais que seus ensinamentos já contêm algumas das melhores lições de desenvolvimento pessoal que podemos aplicar, apesar de terem sido formulados há quase 2.300 anos.

Sobre a Brevidade da Vida, um ensaio moral de Sêneca  é uma confirmação da minha observação anterior. Esse livro contém uma sabedoria atemporal e extremamente franca que me fez refletir sobre como estou gastando meus dias e, por consequência, como estou moldando os momentos que compõem minha existência. A citação mais famosa de Sêneca provém precisamente desse ensaio.

“Não é que tenhamos pouco tempo de vida, mas que desperdiçamos muito.”

Antes de adentrarmos nas complexidades do livro, é importante fornecer algumas informações básicas para o contexto. O primeiro ensaio, amplamente reconhecido como o mais famoso dos três contidos na obra e o foco deste artigo, é endereçado a Paulino, um funcionário responsável pela supervisão do suprimento de grãos em Roma. Sêneca aconselha Paulino a fazer a transição do equilíbrio das finanças para o equilíbrio de sua própria vida, e essa exortação serve como a fonte de todas as lições que podem ser extraídas do livro. No entanto, é fundamental compreender quem era exatamente  Sêneca.

Sêneca destacou-se como um dos três principais filósofos estoicos, juntamente com Marco Aurélio e Epicteto. Além disso, ele ganhou notoriedade por sua função como conselheiro de Nero, um dos imperadores mais brutais da história romana. Embora seja mais conhecido por este ensaio, ele também é renomado por suas “Cartas Morais a Lucilius” (na minha lista de leitura).

A seguir, você encontrará importantes lições deste ensaio, citações intemporais e um toque pessoal, se tiver a paciência de seguir até o fim.

Sêneca argumenta que muitas vezes vivemos nossos dias sob a ilusão de que teremos tempo infinito pela frente. Ele nos adverte contra a busca de prazeres vazios e, ainda mais crucialmente, contra a companhia inadequada. Ele destaca como desperdiçamos nosso recurso mais valioso, que é o tempo:

“Enquanto os homens costumam ser parcimoniosos ao protegerem sua riqueza, eles se mostram extremamente extravagantes quando se trata de desperdiçar tempo, o único recurso em que deveriam ser avarentos.”

Em 2022 e início de 2023, eu estava em um período de transição. Saindo de um trabalho como professora contratada em uma universidade e retornando à realidade do ensino médio público – algo que vivenciei em 2017 e 2018, período no qual passei situações no ambiente escolar que me traumatizaram – ao estar de volta a uma rotina exaustiva e com poucas horas e dias para descansar, percebi que o tempo estava passando rápido demais, deixando-me questionando para onde haviam ido todos os meus preciosos sonhos, metas de vida e, principalmente, a minha felicidade.

Meu trabalho, embora gratificante, deixava um vazio em minha vida nas noites de semana e principalmente nos fins de semana. Eu preenchia esse tempo livre assistindo à Netflix, navegando em redes sociais e me envolvendo em outras atividades sem sentido que, ao olhar para trás, percebo que apenas entorpeciam as horas e dissipavam o tédio até o ciclo recomeçar. Desenvolvi uma aversão ao ambiente escolar. Cada vez que entrava na sala de aula, era uma experiência angustiante, especialmente devido às frequentes crises de ansiedade e de pânico que enfrentava. A vida de professor é notoriamente exaustiva e, infelizmente, muitas vezes resulta em problemas de saúde. Isso acontece por diversas razões:

Pressão constante: Professores enfrentam uma pressão significativa para alcançar metas acadêmicas, atender às necessidades dos alunos e manter-se atualizados com as mudanças nas políticas educacionais.

Carga de trabalho intensa: Além das horas de aula, os professores dedicam tempo significativo a planejar aulas, corrigir trabalhos e relatórios, participar de reuniões e lidar com tarefas administrativas.

Gerenciamento de comportamento: Lidar com comportamentos desafiadores dos alunos pode ser emocionalmente desgastante. Professores muitas vezes precisam gerenciar conflitos e garantir que a sala de aula seja um ambiente seguro e produtivo.

Falta de recursos: Em muitos casos, os professores enfrentam a falta de recursos, como materiais didáticos adequados e apoio suficiente para lidar com necessidades especiais dos alunos.

Responsabilidade social: Os professores desempenham um papel fundamental na formação da próxima geração, e essa responsabilidade pode ser esmagadora, especialmente quando enfrentam desafios socioeconômicos e culturais em suas comunidades.

Longas horas de trabalho: Muitos professores trabalham muito além do horário escolar, comprometendo seu tempo pessoal e vida familiar.

Falta de reconhecimento: A falta de reconhecimento adequado e valorização da profissão pode ser desmotivadora e contribuir para o esgotamento. Além da remuneração ruim.

 Problemas de saúde mental: Devido a essas pressões, muitos professores sofrem de estresse crônico, ansiedade, depressão e esgotamento profissional, o que afeta negativamente sua saúde física e mental. Ao longo dos anos, presenciei amigos e conhecidos professores adoecerem de depressão por causa dos fatores citados e, infelizmente, também fui uma vítima desse sistema.

Quando refleti sobre meus dias do passado – quando tinha metas e era feliz – ficou claro para mim que havia trocado meu tempo por trabalho e mais trabalho ou por momentos de lazer insatisfatórios e, sinceramente, por distrações que não eram bem-vindas. Com muitas tentativas e erros, finalmente percebi que a maneira como ocupamos nossos dias é, em última análise, a maneira como vivemos nossas vidas, e a qualidade de nossa existência está intrinsecamente ligada à qualidade de nossos dias. Enquanto eu folheava este ensaio, a repreensão de Sêneca se tornava notavelmente compreensível.

“Você vive como se estivesse destinado a viver para sempre, nenhum pensamento de sua fragilidade passa pela sua cabeça, de quanto tempo já passou você não dá atenção. Você desperdiça tempo como se estivesse bebendo de um suprimento completo e abundante, embora o tempo todo aquele dia que você concede a alguma pessoa ou coisa seja talvez o último.

Hoje em dia, não deixo a minha saúde mental ou física em segundo lugar, tento malhar 5 vezes por semana. Como de forma saudável e voltei a fazer algo que amo desde a infância: ler e escrever literatura. Finalmente, consigo vislumbrar outras carreiras e dedicar tempo para a minha família, amigos e namorado. Aos poucos, estou começando a definir novas metas, novos sonhos e me preparando para voltar a enfrentar a vida fora do meu quarto. Claro que a medicação e as sessões de terapia e o acompanhamento psiquiátrico também exercem uma grande influência no avanço diário da minha evolução (não gosto de chamar de “melhora”).

Chegar aqui não foi fácil, mas o que funcionou foi estar atenta aos pequenos momentos que constituíam o meu dia e uma escolha e decisão pessoal sobre como gastá-los. Além de ser grata pelo que tenho e buscar ver a vida com olhos otimistas. Embora não seja fácil, e faça mais coisas erradas do que certas, posso dizer honestamente que estou mais feliz agora do que antes e isso para mim é uma vitória.

Mas como cheguei a isso? Bem, Sêneca também tinha algo a dizer sobre isso:

“O maior obstáculo à vida é a expectativa, que depende do amanhã e perde hoje. Você está organizando o que está sob o controle da Fortuna e abandonando o que está sob o seu controle. O que você está olhando? Para qual objetivo você está se esforçando? Todo o futuro está na incerteza: viva imediatamente.”

Com clareza cristalina, Sêneca nos pede para praticar a atenção plena. Viver cada momento como se fosse o último. Viver o imediato e fazer valer cada momento. E são esses momentos que compõem uma vida. Mestre Oogway  (hahaha) também disse melhor : “Ontem é história, amanhã é um mistério e hoje é uma dádiva… é por isso que o chamam de presente”.

Eu, pessoalmente, aprendi a ser mais atenta em casa com a família e até nas interações sociais com meus colegas. E no fundo, eu prático “Onde quer que você esteja, esteja lá”. Desse modo, controlo a minha ansiedade ao não pensar no futuro, mas viver o presente.

 

2 comentários em “Sobre a brevidade da vida: Como o estoicismo está me ajudando a lidar com a depressão.”

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