Quando criança, eu costumava subir em um pé de seriguela e, de lá, conseguia enxergar além dos muros que cercavam a casa dos meus pais. Era fascinante e, ao mesmo tempo, um pouco assustador descobrir que existia um mundo vasto além do meu bairro. Daquela altura, eu via as pessoas passando ao longe, pela estrada, e me maravilhava com a possiblidade de um dia conseguir atravessar os muros, a lagoa que dividia a cidade ao meio, e ir além dos limites que me impuseram.
Para mim, sair daquele pequeno espaço era sinônimo de liberdade. Com o passar dos anos, aquele pedaço da cidade começou a se assemelhar a uma jaula, e eu, como um passarinho, me senti presa, incapaz de voar, limitada pelas barreiras invisíveis que aquele lugar impunha. Não pude ir além das possibilidades restritas desse espaço, sobretudo porque os obstáculos não eram apenas físicos, mas também sociais, econômicos e emocionais, moldados por expectativas e limitações.
Quando finalmente deixei minha cidade natal para morar na capital do estado e trabalhar em um instituto federal, realizei dois grandes sonhos de uma só vez. A mudança, no entanto, trouxe desafios: viver longe da família, em um lugar onde eu não tinha amigos, foi uma experiência desafiadora, às vezes assustadora e profundamente solitária. Apesar disso, conquistei uma independência imensa, aprendi coisas novas e me vi cercada por uma variedade de opções culturais.
Eu, meu doguinho Logan e minha sobrinha Bianca.
Desde 2019, quando me mudei para Natal, um dos meus maiores medos era a possibilidade de voltar a morar na cidade onde nasci. Carrego muitos traumas relacionados a acontecimentos e pessoas daquela região. Certa vez, na ignorância do momento, e como um ato de desespero, disse que preferia morr*r a ter que voltar a viver no interior. Essa declaração, embora extrema, reflete a profundidade das marcas que aquele lugar deixou sobre mim.
E então, aqui estou, após 5 anos, de volta à minha cidade natal. Há três semanas, voltei a morar com meus pais. Minha vida passou por uma grande reviravolta, e o ponto de virada foi uma depressão que enfrentei em 2023. Estou 90% curada, pois ainda tenho recaídas drásticas. Esse retorno, que outrora era o maior dos meus medos, agora se tornou parte do meu processo de recomeço. Mesmo carregando os traumas do passado, percebo que estou em um novo momento, em que talvez seja necessário revisitar minhas origens para compreender o meu estado espiritual e me curar das feridas que ainda carrego comigo.
Minha psicóloga interpretou este momento que estou vivendo como um período de convalescimento, especialmente uma cura ligada à minha infância. Voltar para a casa dos meus pais e para a cidade onde cresci, representa a chance de revisitar feridas antigas, compreendê-las e, quem sabe, transformá-las. É como se esse retorno fosse uma oportunidade de ressignificar as memórias e as experiências que moldaram quem sou, para finalmente encontrar minha liberdade.
Estar aqui não tem sido fácil. Em alguns momentos, a angústia e a frustração retornam com força, e há dias em que, apesar dos meus esforços, não consigo sair de casa. Sei que ficar trancada no meu quarto pode agravar meu estado mental, mas também existem instantes de clareza, em que consigo perceber o quanto já caminhei e evoluí como pessoa. E, acima de tudo, percebo que não estou em um espaço vazio; tenho companhia e apoio emocional ao meu lado. Tento enxergar este período como uma oportunidade de crescimento, de reencontrar a criança que um dia sonhava em voar além dos muros e que, agora, entende que os verdadeiros muros, muitas vezes, estão dentro de nós, na nossa mente.
Minha psicóloga me encorajou a olhar para o que antes era apenas dor como um espaço de aprendizado e acolhimento. Dessa forma, cada memória revisitada, cada medo enfrentado e cada nova percepção surgem como pequenos passos em direção à cura. Talvez este retorno seja o início de um processo para me tornar mais inteira, mais livre, e finalmente encontrar a paz, tanto com o passado quanto comigo mesma.