Para ler ao som de Lana Del Rey – Young and Beautiful
“Tinha terminado, então. Porque a gente, alguma coisa dentro da gente, sempre sabe exatamente quando termina”. Eu repeti, pausadamente, a frase que havia lido em algum romance cânone da literatura, para a minha psicóloga. Ela me olhou em silêncio e anotou algo na minha ficha avaliativa. Naquela tarde de agosto, chovia, chovia dentro de mim. Um tempo tão longo de chuva que o que eu mais escutava em minha mente era o barulho dos trovões.
– Semana passada, a minha mãe teve uma nova crise esquizofrênica. Eu estava no trabalho quando me ligaram da clínica. Então, abandonei as gravações e tentei chegar ao hospital, mas a gravidade do peso da existência prendeu os meus pés no chão. Ela está bem e fica repetindo que é um milagre ela estar viva. Ela sempre foi muito religiosa.
– E você?
– Eu tenho fé, mas ainda chove dentro de mim e os poços que se formam são profundos. Lamaçais perigosíssimos. Eu já falei deles para você na semana passada, lembra? Eu vivo pulando as poças d’água, porém, ás vezes o salto é pequeno e eu acabo afundando na água suja.
– Você tem conseguido dormir?
– Não tanto o quanto eu queria. Os fantasmas não deixam. Mas tomo os comprimidos e tudo fica bem.
– Quais fantasmas?
– As lembranças são fantasmas sombrios. As imagens da minha infância se constituem em pequenos fragmentos de dor em minha mente. Sim, eu sei que é importante viver apenas no presente, mas acho que o passado significa muito para mim. Eu sempre me senti muito sozinha. Na verdade, eu estou sempre sozinha, não importa o que aconteça. Eu sei, sei que sou um desastre emocional. Arthur sempre afirmava isso. Ele acredita que darei fim a minha vida, algum dia.
– E você acredita nisso?
– Às vezes sim. Não é fácil sentir o mundo como eu sinto. Em alguns momentos, sinto-me menos ser humano do que os outros. Posso acender um cigarro? Acredito que ninguém poderá me amar. Amar-me além do meu corpo. Eu sei que todos querem o meu corpo. Ninguém quer a minha alma. Isso dói. Dói muito. Eu só quero ser igual a todo mundo. Só quero ser amada por quem eu sou.
– Você me disse que o Joe ama você.
– Não sei mais se o sentimento dele é verdadeiro. O nosso casamento e o meu amor por ele morreu na noite em que ele me agrediu. O último grande herói era tão ciumento e possessivo que me queria apenas para ele, mas eu pertenço ao mundo. O palco é o meu lugar, eu soube disso desde que era uma criança amedrontada. Apenas o palco e os flashes me possibilitam sonhar acordada e ter esperança de nunca mais ser desprezada pelas pessoas que amo. O início da minha carreira não foi fácil. Não é fácil, pois eles sempre querem me ver sexy e todos querem dormir comigo. Eles também me criticam e me apedrejam por causa da minha liberdade sexual. É uma faca de dois gumes. Eu não tenho sossego! Posso fumar outro cigarro?
– E como vão os seus planos de independência profissional?
– Bem, até o momento. Mas não é fácil tentar ganhar espaço em um setor dominado pelos homens, principalmente depois que fui demitida. Espero conseguir fazer um bom trabalho e ajudar as minhas companheiras de profissão a não serem mais manipuladas, como eu fui.
– Você acha que foi manipulada?
Sim. Oh! Mas eu estou tão cansada agora para falar sobre isso. Desculpe-me, querida. A minha energia esgotou-se.
– Tudo bem. Podemos encerrar a sessão se você quiser.
– Por favor, querida.
– Ok. Retorno no fim da semana.
– Amanhã será melhor. Oh, querida, você não sabe como é difícil para eu passar um dia sem vê-la. Por favor, você pode me receitar novos soníferos?
– Aqui está a sua nova receita. Não exagere nas doses. Caso você sinta-se mal, liga-me.
– Oh! tudo bem, querida. Eu vou ficar bem. Até amanhã.
– Até amanhã, Marilyn.