CONCEITOS DE TEXTO, ENUNCIADOR, CENA ENUNCIATIVA E INTENCIONALIDADE DISCURSIVA

Para se comunicar, o homem necessariamente recorre a textos, sejam eles verbais ou não
verbais, orais ou escritos. Sem o texto, não há comunicação. Sob esse ponto de vista, texto
ou enunciado é a unidade básica de comunicação.
Uma palavra, uma frase, um parágrafo – ou mesmo imagens – por si sós não constituem
textos. Precisam estar inseridos em uma situação de comunicação. Tome-se, como exemplo,
a interjeição oi. Isolada, ela não é um texto. Mas, dita por você ao encontrar um amigo na
biblioteca, ela pode revelar uma determinada intenção comunicativa: cumprimentar, por
exemplo. Se essa mesma interjeição for dita por você a uma vizinha casada que você
encontrou no bar aos beijos com um namorado, pode revelar outra intenção comunicativa:
tornar claro que você deu um flagrante.
Assim, o que transforma um desenho, um gesto, uma palavra ou um conjunto de parágrafos
em um texto é o fato de serem utilizados como suporte material para que um ato de
comunicação possa se realizar. Dessa forma, para o texto ter existência, há necessidade de
uma cena enunciativa, composta dos seguintes elementos: o enunciador (produtor do
texto), que tem uma intenção comunicativa determinada (convencer, informar, emocionar,
confundir…); o(s) coenunciador (es) (ouvinte(s)/leitor(es) ), alvo da intenção comunicativa
do enunciador; e uma situação de enunciação – tempo e lugar concretos em que ocorre a
produção do texto.
O suporte material do texto não tem extensão predeterminada. Pode ser constituído, por
exemplo, tanto por uma palavra quanto por milhares, tanto por uma só imagem quanto por
uma série delas articuladas entre si.
Para exemplificar, tomemos o enunciado “a porta está aberta” e imaginemos para esse
enunciado algumas situações comunicativas em que ele pode ocorrer e alguns efeitos
de sentido que dele se podem derivar (cf. TRAVAGLIA 1996, p. 70-71).
Esse exercício, decerto, nos levará à conclusão de que não se pode elevar ao estatuto
de texto um desenho, um gesto, uma palavra, uma frase ou um conjunto de parágrafos,
a não ser que estes sejam utilizados como suporte material para que um ato de
comunicação possa se realizar. Suponha que duas pessoas cheguem à casa de um
parente. Tocam a campainha e ninguém atende, chamam e ninguém responde.
Começam a ficar preocupadas, pois o parente deveria estar em casa. Uma delas mexe
na maçaneta da porta e, vendo que ela está aberta, diz: “A porta está aberta”. Nestecaso, a pessoa que disse que a porta estava aberta fez uma afirmação sobre a porta.
Imaginemos outra situação. Duas pessoas estão discutindo, brigando. Num dado
momento, uma delas diz: “A porta está aberta”. Neste caso, a ação concretizada com
esse enunciado é um convite ou sugestão para que o outro se retire. Uma terceira
possibilidade decorre da seguinte situação: duas pessoas se encontram sentadas em
uma sala de estar, conversando. Em dado momento, uma delas diz que há uma corrente
de ar frio e observa: “A porta está aberta”. A outra pessoa se levanta e fecha a porta.
Neste caso, a pessoa que disse que a porta estava aberta fez um pedido para que essa
fosse fechada.
Como é possível constatar, nas três situações, uma mesma sequência linguística serve à
realização de diferentes ações (atos de fala), derivando diversos efeitos de sentido, que,
certamente, provocarão reações sobre os interlocutores. Evidentemente, determinadas
reações são mais prováveis, dependendo de quem são os interlocutores e da relação
social que se estabelece entre eles. Assim, no segundo caso
(convite/sugestão/imposição), por exemplo, em que se faz alusão à retirada do outro,
essa possibilidade somente se concretizaria entre interlocutores que se colocassem em
posições hierárquicas, em função das quais se pudesse justificar o exercício do poder de
um sobre o outro (o chefe e o seu subalterno; o dono do local e o ocupante temporário;
dois inimigos etc.).
Além desses esclarecimentos, também vale ressaltar o fato de que, para ler/interpretar
ou produzir um enunciado (texto), outros saberes precisam ser mobilizados. No
processo de produção escrita, por exemplo – foco de nossa abordagem −, o escritor
recorre a conhecimentos armazenados na memória relacionados à língua, ao seu saber
enciclopédico e às práticas interacionais. “Esses conhecimentos, resultado de inúmeras
atividades em que nos envolvemos ao longo de nossa vida, deixam entrever a intrínseca
relação entre linguagem/mundo/práticas sociais” (KOCH; ELIAS, 2009, p. 37).
Intenção comunicativa ou intencionalidade discursiva
Todo aquele que se comunica-falando, pintando, escrevendo, dançando etc. – tem uma
intenção comunicativa. Ele não está apenas querendo transmitir uma mensagem a um
ouvinte, mas interagir com outra pessoa, um coenunciador. Ou seja, o enunciador tem um
objetivo em mente ao construir o seu texto e, normalmente, esse objetivo se relaciona com
alguma ação. A palavra faz parte de um movimento maior em torno de uma ação social.
Por exemplo, uma bula de remédios pode ser lida a qualquer momento e pelos mais
variados motivos. Mas a intenção comunicativa dela é que o leitor conheça adequadamente
o remédio e saiba como usá-lo. Assim, uma pessoa pode até ler uma bula de remédio para
se distrair porque não tem o que outra coisa que fazer, contudo passar o tempo não é a
intenção comunicativa da bula de remédios. Quem escreve esse texto não o faz para que os
outros passem um momento agradável de diversão.É justamente o caso contrário do que ocorre com o filme de aventuras que alguém assiste
no cinema, domingo à noite, com os seus amigos. Voltados para essa necessidade, existem
muitos filmes de aventuras cuja intenção comunicativa é apenas fazer o público se distrair
e entreter a partir de uma narrativa empolgante e cheia de efeitos especiais. Outros filmes,
no entanto, talvez “peçam” um espectador mais compenetrado e crítico, e tenham como
intenção comunicativa explorar temáticas filosóficas ou existenciais utilizando recursos
cinematográficos, estéticos e artísticos muito sofisticados.
Assim, toda vez que interagimos com as pessoas por meio da linguagem, sempre há em
nossa fala uma intenção de modificar o pensamento ou o comportamento de nossos
interlocutores. A isso chamamos intencionalidade discursiva: a intenção, explícita ou
implícita, existente na linguagem dos interlocutores que participam de uma situação
comunicativa.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola Editorial,
2009.
BAKHTIN, Mikhail. “Os gêneros do discurso”. In: Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2003. p. 261-306.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de produção
textual. São Paulo: Contexto, 2009.
; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 17. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2001.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º
e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.
(Adaptação de material da disciplina “Leitura e Produção de Textos I”,
grupo de Língua Portuguesa DELET/UFRN

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